A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou novos dados sobre o alcance das sobretaxas americanas sobre produtos brasileiros. O diagnóstico é contundente: 77,8% da pauta exportadora do Brasil para os EUA sofre incidência de tarifas adicionais. Dado o peso dos EUA como um dos principais destinos da indústria brasileira, compreender a profundidade desses impactos — e como reagir — é urgente para exportadores, operadores logísticos, analistas de mercado e formuladores de políticas públicas.
Introdução: O cenário atual das tarifas
- 77,8% da pauta exportadora brasileira para os EUA está submetida a sobretaxas.
- Os EUA seguem entre os maiores parceiros comerciais do país, especialmente para bens manufaturados.
- Tarifas setoriais são impostos de importação aplicados por produto/segmento, com alíquotas que variam por NCM (HS Code), objetivos de política industrial e instrumentos legais específicos.
- Entre esses instrumentos está a Seção 232 (Seção 232 do Trade Expansion Act, 1962), que permite ao governo americano impor tarifas por razões de segurança nacional, notadamente sobre aço, alumínio e correlatos.
Impacto geral das sobretaxas
Os números agregados mostram amplitude e intensidade:
- 45,8% dos produtos brasileiros enfrentam tarifas de 40% ou 50%.
- A tarifa máxima (50%) atinge 41,4% da pauta — equivalente a US$ 17,5 bilhões (2024).
- 69,9% da indústria de transformação é afetada, somando US$ 12,3 bilhões.
Leitura executiva: trata-se de um choque de custos de grande escala, com potencial de compressão de margens, reprecificação, perda de market share e redirecionamento de fluxos comerciais.
Setores mais prejudicados
Participação dos setores afetados no recorte da CNI:
- Vestuário e acessórios: 14,6%
- Máquinas e equipamentos: 11,2%
- Produtos têxteis: 10,4%
- Alimentos: 9,0%
- Químicos: 8,7%
- Couro e calçados: 5,7%
- Aço, alumínio e cobre (Seção 232): 9,3% da pauta
Repasse de custos — onde dói mais:
- Moda (vestuário/acessórios, têxteis, calçados): alta competição por preço e substituibilidade elevam a dificuldade de repasse.
- Alimentos: repasse parcial possível, mas com risco de troca por origem alternativa.
- Químicos e máquinas: maior probabilidade de precificação por valor quando houver diferenciação técnica, certificações e serviços (instalação, pós-venda).
- Metais (Seção 232): tarifas amplas e sensibilidade a custo/lead time exigem engenharia comercial mais sofisticada.
Produtos e setores parcialmente isentos
Há espaços de atenuação/isenção que merecem atenção:
- 22,2% das exportações estão livres de sobretaxa, com destaque para a indústria extrativa (óleo, combustíveis, petróleo leve e pesado).
- Aviação civil: itens com 6,9% da pauta podem pagar apenas 10%, mediante comprovação de uso aeronáutico.
Potencial de ampliação: pleitos técnicos, comprovações de uso final, enquadramentos tarifários corretos e negociação bilateral podem ampliar o escopo de isenções ou reduções temporárias.
Reação institucional e diplomática
A CNI, por meio de seu presidente Ricardo Alban, enfatiza a urgência de negociações bilaterais para mitigar os efeitos das sobretaxas e preservar a competitividade industrial. A coordenação entre governo e setor privado é crucial para:
- Priorizar setores estratégicos nos pleitos.
- Articular evidências técnicas junto a autoridades americanas.
- Avaliar desdobramentos em fóruns multilaterais (OMC) e em acordos comerciais com cláusulas de facilitação.
Mensagem central: previsibilidade e segurança jurídica são essenciais para decisões de investimento e manutenção de cadeias de fornecimento.
Estratégias para exportadores brasileiros
1) Mitigação de custos e eficiência operacional
- HS classification & ruling: revisões técnicas de NCM/HS com suportes jurídicos e “binding rulings” nos EUA; evitar enquadramentos indevidos que elevam alíquotas.
- Otimização logística: consolidação de cargas, INCOTERMS adequados, contratos com armadores/forwarders e uso de portos alternativos para reduzir base de custo.
- Drawback/REINTEGRA/Ex-tarifário (insumos): mecanismos brasileiros para aliviar a carga tributária indireta nos insumos exportados.
- Seguro cambial e pricing dinâmico: proteger margem e ajustar listas de preço por cenário de tarifa.
2) Diferenciação e valor agregado
- Certificações (UL, FDA quando aplicável, ASTM, FAA para aero): agregam valor e justificam prêmio.
- Servitização: pacote técnico (instalação, manutenção, SLA, treinamento) para reduzir comparabilidade por preço.
- Design e P&D: produtos com IP próprio sofrem menos substituição.
3) Mercados alternativos e portfólio de destinos
- Diversificação geográfica: ampliar presença em México, Canadá, UE, Oriente Médio, África e ASEAN, onde a combinação tarifa–logística pode ser mais favorável.
- Integração regional/Mercosul: aproveitar acordos existentes e negociações em curso para preferências tarifárias.
- Canais B2B/B2C alternativos: marketplaces especializados, distribuidores locais com capilaridade e contratos de exclusividade que suportem margem.
4) Estratégia comercial para os EUA (compliance total)
- Regras de origem: qualquer reconfiguração de cadeia (ex.: montagem parcial em terceiros países) deve obedecer estritamente às regras de origem para evitar riscos legais.
- Pedidos de exclusão/waiver: quando cabível, pleitear exclusões temporárias (caso de insumos críticos sem oferta doméstica adequada nos EUA).
- Parcerias industriais: joint ventures/produção local parcial podem reduzir tarifas em segmentos específicos (caso a caso).
O que são tarifas setoriais e a Seção 232 (explicação objetiva)
- Tarifas setoriais: alíquotas de importação diferenciadas por produto/segmento, motivadas por objetivos de política industrial, defesa comercial (antidumping/antisubvenção) ou salvaguardas.
- Seção 232: instrumento da legislação americana que permite tarifas por razões de segurança nacional. Em 2018, foi a base para sobretaxas sobre aço e alumínio, com impactos sobre aços planos, longos, alumínio primário e semimanufaturados, entre outros.
Efeitos econômicos e diplomáticos: encarecem importações, alteram cadeias de suprimento, criam desvios de comércio e elevam a necessidade de coordenação diplomática para mitigar impactos e restaurar previsibilidade.
O que esperar daqui para frente?
As sobretaxas representam um desafio estrutural para a indústria exportadora brasileira, mas também um gatilho para modernização, inovação e diplomacia econômica ativa. A combinação de:
- Eficiência de custos,
- Diferenciação por valor,
- Diversificação de mercados, e
- Atuação coordenada entre empresas, entidades setoriais e governo
será determinante para sustentar volumes e margens no mercado americano.
Chamada à ação: empresas e entidades de classe devem intensificar a participação no debate, qualificar pleitos técnicos e avançar em estratégias comerciais de médio prazo — enquanto o canal diplomático trabalha por alívios tarifários e segurança jurídica nas relações com os EUA.